A saúde pública e o capitalismo

Publicado no jornal Diário da Região, São José do Rio Preto, SP, 18 de dezembro de 2024.

O Direito Internacional sob o manto da Organização das Nações Unidas (ONU) reconhece
como integrantes dos Direitos humanos aqueles pertinentes à vida e os que a valorizam,
como a alimentação, a educação, o trabalho, a saúde e a liberdade. Nesta mesma linha, a
Constituição Federal de 1988 inclui a saúde como um dos Direitos sociais elencados em
seu artigo 6º. Mais adiante, o artigo 196 da Lei Maior dispõe que “a saúde é direito de todos
e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas… que visem ao
acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e
recuperação”. Com o objetivo da implementação dos dispositivos constitucionais, foi
criado em 1990 o Sistema Único de Saúde (SUS), dirigido pelos princípios da
universalização, equidade e integralidade. O SUS foi uma das mais importantes conquistas
da nação brasileira.

Ao lado do SUS, o capitalismo desenvolveu uma estrutura de seguros saúde e de
atendimentos médicos e hospitalares de natureza privada. Como é sabido, os modelos
capitalistas buscam o lucro e não o bem-estar público. O propósito das ações do capital na
saúde é o de remunerar aos seus acionistas, quer seja dos hospitais privados, seja dos
seguros saúde. Por isso, na realidade, a saúde pública e o capitalismo são antagônicos ao
representar contradições em termos quanto à sua natureza e à sua ética. Tais
características nefastas denegam e obstam os nobres objetivos constitucionais brasileiros.
É de conhecimento notório que a insana busca do lucro leva frequentemente ao manejo
fraudulento das instituições privadas de seguro saúde. No capitalismo, é corrente a prática
de antecipar receitas e retardar despesas com o objetivo de fortalecer o fluxo de caixa
principalmente em economias com juros altíssimos, como é o nosso caso.

Este procedimento faz com que a autorização para a prestação de serviços seja diferida, sob
pretextos diversos, em benefício dos lucros e em detrimento dos pacientes. Até mesmo o
retardamento para o fornecimento de medicamentos tem se tornado comum. Tais ações
podem configurar crimes contra a economia popular, dentre outros ainda mais grave
Por outro lado, as empresas de seguros saúde pagam honorários aviltados aos médicos
conveniados, o que os leva a atender pacientes em exíguo tempo, incompatível com os
critérios básicos da medicina. “Consultas” são feitas em questão de poucos minutos. Às
vezes, segurados têm que pagar complementos aos profissionais. Ocasionalmente, cert
médicos solicitam exames desnecessários aos pacientes, o que encarece o preço dos
seguros, já desproporcionais. Em contrapartida, muitos profissionais recebem benesses
dos hospitais ou clínicas.

A degradação e a libertinagem no segmento da saúde têm levado certos setores da
medicina à prescrição de medicação anódina, inapropriada ou excessiva. Alguns médicos
recebem de laboratórios farmacêuticos para promover medicamentos, por vezes sob o véu
translúcido da pretensa e especiosa produção acadêmica. Os laboratórios praticam preços
abusivos. As faculdades de medicina não escapam incólumes à derrocada da ética médica.
Qual será o futuro da saúde pública a persistirem tais tendências? Parece evidente que,
dentre nós impõe-se o aprimoramento e o fortalecimento do SUS.

DURVAL DE NORONHA GOYOS JR., Jurista, escritor e professor. Advogado qualifica
no Brasil, Inglaterra e Portugal. Consultor Florida Bar e California Bar. Árbitro do GATT,
OMC, CIETAC, SHIAC e SCIA. Autor de ‘O Novo Direito Internacional Público’. Foi
diplomata. Escreve quinzenalmente neste espaço às quartas-feiras