Publicado na Coluna Semanal do Dr. Noronha a convite do sítio “Última Instância – Revista Jurídica”, São Paulo, Brasil, 17 de março de 2010.
São Paulo – Com a publicação, no dia 15 de março de 2010, da lista de 21 itens na área de propriedade intelectual, para a definição da composição da retaliação R$ 238 milhões (US$ 136 milhões), o governo brasileiro fechou em grandes linhas o pacote de sanções autorizadas pela OMC (Organização Mundial do Comércio) a serem aplicadas contra os Estados Unidos, em decorrência do painel do algodão, iniciado há cerca de sete anos.
A esse pacote de sanções somam-se diversas majorações tarifárias já anunciadas, no valor de US$ 591 milhões, que afetarão certas exportações de bens dos EUA para o Brasil, como as de automóveis. Assim, o montante total da retaliação ficou em US$ 727 milhões.
Conforme já tratei em quatro de meus livros na última década, o regime de sanções do mecanismo de resolução de disputas da OMC é uma de suas principais falhas. De fato, o regime jurídico multilateral permite ao país derrotado numa disputa manter a política julgada ilegal. Embora a primeira das sanções da OMC seja a da retirada da medida ilegal, ela não é mandatória.
Assim, o segundo patamar das sanções é chamado de compensação, ou seja, um acordo entre dois ou mais países afetados numa disputa sobre a majoração tarifária de terceiros produtos, que equivalham em valor ao dano objeto do litígio. Baldas as tentativas de acordo de compensação, então o órgão de resolução de disputas da OMC autoriza a majoração tarifária unilateral noutros produtos pelo país que prevalece na disputa, que é a fase atual da questão do algodão.
Como expliquei no meu livro Arbitration in the World TradeOrganization, de 2002, o regime de sanções da OMC é ineficaz pois, além de não sancionar efetivamente o regime jurídico ilegal de um estado-membro, ainda pune a corrente saudável de comércio, o que está prestes a acontecer no caso do algodão.
Essa falha foi amplamente reconhecida e, no processo malsucedido de reforma do sistema de resolução de disputas da OMC, havido entre 1999 e 2003, as maiores sugestões de alterações, de parte tanto de desenvolvidos quanto de emergentes, diziam respeito exatamente ao precário regime de sanções.
Pois bem, há quem cuide de promover a exaltação tanto sistemática quanto febril da ação dos principais agentes do governo Lula ao chamar recentemente esse logrado regime das sanções da OMC, por entendimento praticamente unânime dentre os países em desenvolvimento, como “uma arma extraordinária” para os países emergentes.
Mais ainda, num patético esforço de revisionismo histórico, procura-se atribuir a façanha da indução aos demais países em desenvolvimento ao ministro Celso Amorim, quando era embaixador junto à OMC, em 1991 e 1992. Segundo tal versão fantasiosa, como a reação inicial dos emergentes teria sido contrária à proposta, coube a Amorim convencê-los a aceitá-la, desde que os desenvolvidos concordassem em se submeter a elas (sic).
Na realidade, a proposta do regime ineficaz foi feita pelos países desenvolvidos, os maiores violadores da ordem jurídica multilateral, para que não fossem obrigados a mudar suas políticas ilegais. Eles, os ricos, eram os maiores interessados na fragilidade jurídica do sistema, como ainda o são. Os perdedores da falha jurídica foram e são os países em desenvolvimento e seus setores prejudicados.
Explique-se como o produtor brasileiro de algodão que quebrou por força da concorrência desleal, como ocorreu freqüentemente nos últimos sete anos, será ressarcido de seus danos com a política da retaliação. Por outro lado, o produtor americano continua próspero e a receber os seus subsídios ilegais…
Quanto à atuação de Celso Amorim à frente da missão brasileira em Genebra, durante a Rodada Uruguai, deve-se dizer, foi, no máximo, pífia. Nunca os países em desenvolvimento, incluindo o Brasil, foram tão amplamente derrotados em tratativas multilaterais de comércio como na ocasião. A ONU atribuiu aos desenvolvidos nada menos de 80% das vantagens da rodada!
Na ocasião, a missão brasileira estava despreparada em recursos políticos, humanos e materiais. Políticos porque não tinha uma diretriz de ação. Humanos porque as negociações eram feitas por dois promissores, mas despreparados terceiros-secretários. Materiais porque a missão tinha apenas dois computadores (quebrados), desprovia de biblioteca e até mesmo de um exemplar da Constituição Federal.
O revisionismo de matiz stalinista não é compatível com a democracia brasileira.