Publicado no Jornal O Sul, Porto Alegre, RS em 28 de janeiro de 2008.
A Convenção de Lomé, que vigorou de 1975 até o ano 2000 foi um mecanismo preferencial de comércio estendido pela União Européia (UE) às ex-colônias do chamado Grupo ACP (África, Caribe e Pacífico) de nações, mediante o qual procurou expiar, perante a opinião pública doméstica e internacional, o trágico legado histórico do colonialismo. Em junho de 2000, a Convenção de Lomé foi substituída pelo chamado Acordo de Cotonou, com o mesmo propósito, com vigência programada até fevereiro de 2020. Fizeram parte do tratado os 79 países do Grupo ACP e os 25 da UE.
O Acordo Cotonou, à semelhança da Convenção de Lomé, nunca foi eficaz para promover o progresso econômico e o desenvolvimento social do Grupo ACP, mas foi utilizado por alguns países do Caribe para a exportação de bananas a taxas preferenciais para os territórios da UE, prática que foi considerada inconsistente com a ordem jurídica multilateral da Organização Mundial do Comércio (OMC), o que resultou em seu fim antecipado para 31 de dezembro do ano passado.
Para substituí-lo, a UE apresentou o conceito de Acordos de Parcerias Econômicas (EPAs), que procurou caracterizar como pactos de livre comércio, para obter a isenção ao princípio da não discriminação que orienta o regime jurídico multilateral do comércio. Para tanto, a UE dividiu o Grupo ACP em seis, de acordo com critérios geográficos regionais.
O objeto ostensivo dos EPAs é o de liberalizar as relações de trocas comerciais entre os subgrupos do ACP e os países da UE. Para tanto, os países dos subgrupos do ACP, que têm tarifas normalmente elevadas, obrigam-se a reduzi-las de maneira extensiva, de forma a atingir um universo de cerca de 80% dos produtos de exportação da UE, inclusive aqueles de origem agrícola, viabilizados por montanhas de subsídios desembolsados pelo Programa Agrícola Comum.
Em contrapartida, a UE obriga-se a reduzir suas alíquotas de suas tarifas de importação, que já se situam num patamar muito baixo, em cerca de 1.5% aproximadamente, em média. Assim, em troca de acesso a mercado garantido para seus produtos, com o deslocamento de correntes de comércio pré-existentes, a UE estaria a oferecer praticamente nada, o que seria possivelmente recusado pelos países em desenvolvimento do ACP.
Assim, os espertalhões negociadores europeus, movidos pela infame agenda predadora do jogo da soma zero, colocaram como isca nos EPAs a ajuda econômica. Ora, os tratados de livre comércio amparados pelo GATT 47 e pelas normas da OMC são necessariamente onerosos. Por sua vez, os programas de ajuda econômica devem ser necessariamente não onerosos para os recipientes dos desembolsos com propósitos humanitários.
A infame mescla de concessões tarifárias com ajuda econômica daria um elemento de onerosidade às concessões tarifárias, o que descaracterizaria os EPAs para fins de exceção à cláusula de não discriminação. Mais ainda, a iniciativa viola uma norma cogente de direito internacional na negociação de tratados, que é a da boa-fé. Mais ainda, ela caracteriza a fraude nas negociações para a conclusão de tratado, o que é vedado pela Convenção de Viena sobre a Lei dos Tratados.
Já no chamado Acordo de Comércio, Desenvolvimento e Cooperação assinado entre a UE e a República da África do Sul, em 1999, os europeus condicionaram sua ajuda econômica para a reconstrução do país, devastado pelo odioso regime ditatorial racista do apartheid, a concessões de natureza comercial, inclusive na área agrícola.
No momento em que tratativas são feitas para retomar os entendimentos para um pacto de comércio entre o MERCOSUL e a UE, é de todo prudente que a opinião pública nacional, e bem assim os negociadores brasileiros, com triste histórico na esfera comercial, esteja bastante atenta aos critérios éticos que orientam os negociadores europeus.