Publicado na Coluna Semanal do Dr. Noronha a convite do sítio “Última Instância – Revista Jurídica”, São Paulo, Brasil, 18 de junho de 2008.
São Paulo – Em declaração feita em 16 de junho de 2008, na cidade de Londres, o presidente dos Estados Unidos da América, George W. Bush, cobrou do Brasil maiores concessões no âmbito das negociações da Rodada Doha da OMC (Organização Mundial do Comércio), que estão em andamento desde 2001. Bush exige que o Brasil faça maiores aberturas nas áreas de acesso a mercados, no setor de serviços, e de tarifas industriais.
Tais demandas americanas seguem-se a grandes concessões feitas pelo governo brasileiro nas negociações levadas a efeito em março e abril próximos passados no setor agrícola. Basicamente, os negociadores brasileiros aceitaram que o açúcar, os cereais, a carne de frango, a carne bovina e os produtos lácteos, todos produtos de grande interesse do Brasil, sejam tratados como mercadorias sensíveis pelos países importadores e, portanto, sujeitos tanto a tarifas protecionistas elevadas, como a quotas de importação.
De fato, o Brasil é o maior produtor e exportador mundial de carne bovina, de açúcar, de carne de frango e de soja. Mais ainda, enquanto os negociadores brasileiros faziam nefastas concessões aos países protecionistas, estes estavam a aprovar legislação doméstica de subsídios proibidos no mês de maio. De fato, tanto os EUA aprovaram sua nova lei agrícola, a Farm Bill, por cinco anos, quanto a UE (União Européia) passou o novo orçamento de sua PAC (Política Agrícola Comum), pelo mesmo período.
Assim, se de um lado os negociadores comerciais do Itamaraty aceitam que os países protecionistas não nos façam concessões, de outro estes países aumentam o grau, já elevadíssimo, de desembolso de seus subsídios injustos e ilegais.
Como se já não bastasse essa notável perda negocial para o Brasil, Bush está agora a demandar a redução de nossas tarifas industriais e maior abertura do setor de serviços. Nossas tarifas são hoje a única proteção ao surto de importações de produtos industriais estrangeiros causado por uma política monetária que, ao supervalorizar o Real, favorece as manufaturas estrangeiras, num verdadeiro subsídio às indústrias alienígenas.
Mais ainda, Bush demanda adicionalmente maior abertura de nossos mercados de serviços, justamente quando os mercados da UE e dos EUA são os mais protegidos do mundo, mediante barreiras horizontais de imigração aos provedores de serviços, representantes comerciais e consumidores brasileiros barrados vexatoriamente em seus aeroportos.
A Rodada Doha, que deveria ser a ronda do desenvolvimento, rapidamente caracterizou-se como a mesa da hipocrisia onde os países hegemônicos continuam a praticar o infame jogo da soma zero, no qual o seu ganho é a perda dos países em desenvolvimento. As supra mencionadas declarações de Bush devem ser interpretadas dentro desse contexto.
Enquanto o Brasil continuar a se fazer representar por negociadores incompetentes do Itamaraty, em tratativas sem transparência à opinião pública interna e ao Poder Legislativo, nosso país permanecerá como um dos maiores perdedores no jogo do comércio internacional, como está a ocorrer desde 1947 e, mais marcadamente, após o lançamento Rodada Uruguai do GATT, em 1986.