EEUU deflagram guerra comercial

Publicado no jornal Diário da Região, São José do Rio Preto, SP, 12 de fevereiro de 2025.

Os EEUU (Estados Unidos), como hegemônico poder imperialista, têm tradição de abusos
na área do comércio internacional. Ela vem desde que traficavam ópio para a China, sob a
bandeira especiosa do livre comércio, que defenderam militarmente. E continuaram
através dos anos. Depois da II Guerra Mundial, quando se pretendeu criar um regime
jurídico internacional, os EEUU foram a principal força a inspirá-lo. Contudo, o zeram de
maneira a formatar o sistema para que saíssem sempre vencedores. Nas negociações
pertinentes à criação do GATT (Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio), em 1947, por
exemplo, os EEUU e seus clientes excluíram os setores agrícola e têxtil, exatamente
aqueles de maior interesse para os países em desenvolvimento.

Assim distorcido, o GATT configurou-se num tratado para assegurar a prosperidade de uns
poucos, em detrimento da maioria dos países. Isso refletia o jogo da soma zero: a sua perda
é o meu ganho, sob a falsa bandeira do livre comércio. Anal, a hipocrisia é um atributo
imperialista. Nas negociações que resultaram na criação da OMC, em 1994, os EEUU e
seus clientes procuraram expandir as suas vantagens e limitar suas concessões. Eles
pretendiam incluir as chamadas áreas novas, serviços e tecnologia, e manter restrições às
áreas tradicionais. Foram vencedores.

Ao mesmo tempo, procuraram acordos regionais de comércio, sempre à busca de
vantagens unilaterais, como foi o caso do NAFTA. Neste molde, propuseram a criação da
ALCA, que foi rejeitada pela consciência nacional brasileira, e que teria sido um desastre
para o Brasil. Contudo, dentro da estrutura da OMC persistiu o princípio da não
discriminação, consagrado na cláusula da nação mais favorecida, de acordo com a qual
uma melhor tarifa dada a um parceiro comercial seria automaticamente aplicada a todos
os demais membros do sistema multilateral de comércio.

Durante as décadas de vigência do GATT, persistiu a exploração abusiva dos países em
desenvolvimento. Brasil e Índia lideraram um efêmero movimento de resistência, pois as
pressões políticas, econômicas e financeiras dos EEUU, através inclusive do Banco
Mundial e do FMI, eram eficazes para os silenciar. Isso mudou com a acessão da China à
OMC no final de 2001. Sem a discriminação tarifária, a China pôde alcançar em 2 décadas
um progresso extraordinário.

Graças à sua participação no sistema ao lado dos países em desenvolvimento, e à base
jurídica do princípio de não discriminação, melhorou a condição dos países em
desenvolvimento. A economia podre dos EEUU, assentada sobre alicerces artificiais da
fraude e do abuso, não conseguiu sustentar a primazia. Como resultado, o governo de
Donald Trump resolveu implodir a ordem multilateral do comércio e o direito
internacional, valendo-se mais uma vez do exercício arbitrário das próprias razões.

DURVAL DE NORONHA GOYOS JR.
Jurista e professor. Árbitro do GATT e da OMC. Autor de 8 livros sobre o regime jurídico
do comércio internacional e dos verbetes MERCOSUL e NAFTA da “World Encyclopedia
of Peace”, da ONU. Foi representante do Brasil nas negociações para a criação da OMC e
assessor da China para sua acessão.