Publicado na Coluna Semanal do Dr. Noronha a convite do sítio “Última Instância – Revista Jurídica”, São Paulo, Brasil, 30 de abril de 2008.
O governo dos Estados Unidos da América anunciou, através do Pentágono, dias atrás, que estarão a recriar a sua Quarta Frota, que havia sido dissolvida em 1950, após o término da Segunda Guerra Mundial, para voltar a operar na América do Sul e no Caribe, a partir do dia 1° de julho deste ano, desde a base de Mayport, no Estado da Flórida.
A decisão coincide com o anúncio de grandes descobertas de enormes campos de petróleo na plataforma continental brasileira, nas áreas denominadas Tupi e Carioca.
Os estrategistas americanos, para quem as fontes de fornecimento de petróleo são uma questão de segurança nacional, conforme forte consenso de cerca de um século, logo fizeram os cálculos no sentido de que, com as novas descobertas brasileiras, os EUA estariam se assegurando de um fornecimento de todas suas necessidades por um período superior a 15 anos, o que permitiria um desengajamento do oneroso e problemático Golfo Pérsico e Oriente Médio.
De acordo com tal visão estratégica, a Quinta Frota americana, posicionada no Golfo Pérsico, poderia ter seus efetivos reduzidos para um reforço na posição do Atlântico Sul. Assim, os EUA já buscam se avocar o título de propriedade das novas descobertas brasileiras e se apressam a enviar seus efetivos militares para garantir os seus direitos de uso exclusivo e assegurar, desta maneira, o seu percebido manifesto destino.
É evidente que a decisão não foi apresentada à opinião pública nacional e internacional com os seus fundamentos reais, como geralmente ocorre nas relações internacionais, mas sim como uma medida para o “combate ao terrorismo” e às “atividades ilícitas”, dentre as quais o tráfico de drogas. Mais ainda, segundo o comunicado oficial do Pentágono, a Quarta Frota “servirá para demonstrar o compromisso dos EUA para com seus sócios regionais” (sic).
Tal exercício de propaganda ignora muito convenientemente a realidade de que o maior terrorismo continental, e bem assim internacional, é praticado justamente pelo governo americano e que a mais substancial atividade do tráfico de drogas se dá justamente no território dos EUA. Mais ainda, nos últimos tempos, o discurso de combate ao terrorismo tem servido como panacéia utilizada para justificar as violações sistemáticas dos direitos humanos e do direito internacional praticadas nas guerras de agressão movidas pelo governo daquele país.
Como medida preliminar às operações da Quarta Frota na região, um porta-aviões americano, o George Washington, nave capitânea de uma grande e poderosa frota realizará, a partir do dia 5 de maio próximo futuro, exercícios navais no Atlântico sul denominados adestramento Gaúcho-Gringo 2008, com a participação apenas nominal da armada argentina, de há tempos sucateada para além de seus limites operacionais.
A medida anunciada pelo Pentágono teve, como era de se esperar, uma forte reação adversa dos governos de Cuba e da Venezuela. Da parte do Brasil, no entanto, não houve qualquer posicionamento, nem mesmo para reconhecer o fato como uma ameaça aos interesses nacionais.
O nosso Ministério da Defesa continua a dormir em seu formidável berço esplêndido e o governo Lula permanece omisso tanto na missão de adequação realística das capacidades brasileiras de defesa nacional, quanto na denúncia, pelo Itamaraty, das medidas anunciadas pelo governo dos EUA como atentatórias à soberania regional, ao direito internacional, e ao desejado clima de paz no continente.
Nesses momentos, quando a disparidade de forças apresenta-se tão grande e a ameaça à soberania nacional e ao futuro do País afigura-se real, palpável e urgente, é que o peso da ação diplomática torna-se decisivo, tanto no âmbito das relações bilaterais como nos foros internacionais. A diplomacia brasileira não tem se apresentado à altura dos desafios ocorridos, o que apenas faz por encorajar ações do gênero. Qual será a próxima?