publicado na Coluna Semanal do Dr. Noronha a convite do sítio “Última Instância – Revista Jurídica”, São Paulo, Brasil, 12 de março de 2008.
São Paulo – O recente episódio de denegação de entrada e repatriamento de cerca de 30 brasileiros no aeroporto de Barajas, em Madri, não é único e nem sequer um fenômeno atual. Ao contrário, os brasileiros têm recebido um tratamento discriminatório, cruel e desumano há aproximadamente 18 anos, nos principais aeroportos do mundo.
Todas as noites, nos últimos tempos, o triste incidente de Madri tem igualmente ocorrido em Londres, em Paris, em Lisboa, em Roma, em Nova Iorque, em Miami e em outras grandes cidades mundo afora. Eu mesmo já havia tratado do tema numa coluna publicada em 13 de abril de 2005, com o título, “O vôo da danação e o Gats”, onde informei que as autoridades inglesas reservavam 20 assentos, todas as noites, no vôo Varig RG 8753, com destino para São Paulo, para os deportados do dia. Era a quota de deportação, religiosa e britanicamente cumprida.
Esse tratamento abusivo dos brasileiros no exterior começou nos EUA (Estados Unidos da América), país líder mundial nas violações dos direitos humanos, como combate à imigração ilegal de muitos de nossos compatriotas, em nome do qual foi o mesmo institucionalizado, incentivando-se os agentes de imigração ao uso despropositado de seus poderes discricionários. Dentre os abusos está o do agente entrevistar uma pessoa que desconhece o idioma inglês nesta língua e, na falta de compreensão e respostas, oferecer as suas próprias como as do interrogado.
Na época, corria baixa a auto-estima nacional. Assumira o presidente Itamar Franco, após profunda crise política havida no governo Collor de Mello. Nossa economia andava estagnada. Muitos de nossos compatriotas deixavam o país em busca de melhor sorte. Nossa diplomacia estava sob o comando de Celso Amorim que, como ministro das relações exteriores, tomou a decisão de ignorar o problema. Certamente, pensava o ministro, aqueles brasileiros que eram barrados nos aeroportos americanos não correspondiam ao desejável perfil de pessoa que gostaríamos de projetar no exterior. Melhor seria desconhecer oficialmente o problema.
Assim, o precedente americano foi, pouco a pouco, expandido para outros países e as restrições, abusos e violências, passaram a tomar conta do quotidiano do brasileiro em viagem ao exterior. Tais discriminações, inclusive, fizeram com que nossos compatriotas buscassem, em verdadeira maré humana, passaportes de países de seus ascendentes, notadamente europeus, o que foi feito inclusive pela mulher do presidente Lula da Silva. Seus efeitos fizeram-se igualmente sentir para o setor empresarial brasileiro.
A gestão dos negócios estrangeiros do Brasil no governo de Fernando Henrique Cardoso, capitaneada por outro Celso, o Lafer, considerado como o pior chanceler da história brasileira pelo grande historiador pátrio, Moniz Bandeira, continuou a se caracterizar pela pusilanimidade, bem retratada quando o próprio ministro de Estado descalçou-se perante a autoridade de imigração dos EUA, num ultraje à posição que ocupava.
Reassumido o posto por Celso Amorim desde o primeiro mandato do presidente Lula da Silva, foi mantida a mesma postura de alheamento da sorte degradante de nossos compatriotas nos principais aeroportos mundiais. Com a publicidade recebida no recente caso de Barajas, o governo reagiu com o repatriamento de alguns espanhóis. Trata-se de medida superficial e voltada para aplacar a opinião pública nacional e que nada faz para atacar o grave problema em sua raiz: a política oficial discriminatória contra brasileiros adotada pelos EUA e pela União Européia.
Para combater tais políticas, o Brasil deveria promover, com empenho e determinação, gestões oficiais com os respectivos governos, bem como tomar medidas sérias, e não apenas tópicas como o caso do repatriamento de meia dúzia de espanhóis, no âmbito das relações bilaterais. De mais a mais, nossas repartições no exterior deveriam ser equipadas para um efetivo apoio aos brasileiros em viagem, pois hoje estão para tanto desaparelhadas.
De fato, soa caricato o procedimento recomendado pelo Ministério das Relações Exteriores para os viajantes brasileiros de levar os endereços e telefones das embaixadas e consulados, pois não estão equipadas a dar assistência consular nos aeroportos.