Publicado na Coluna Semanal do Dr. Noronha a convite do sítio “Última Instância – Revista Jurídica”, São Paulo, Brasil, 09 de dezembro de 2009.
Mas como de um error a otro se impieza,
creyendo a mi deseo, di al camino
los pies, porque di al viento la cabeza.
Miguel de Cervantes
No dia 29 de novembro próximo passado, realizaram-se eleições presidenciais em Honduras organizadas pelo regime de exceção que derrubou o presidente eleito, Manuel Zelaya, mas de acordo com o calendário eleitoral do país, que corresponderia ao término de seu mandato legal. Das eleições, julgadas honestas pelos observadores independentes, participaram todos os partidos políticos, registrando-se um comparecimento do eleitorado compatível com as anteriores, resultando eleito Porfírio Lobo, do Partido Nacional, que obteve cerca de 55% dos votos válidos. Sua posse terá lugar no dia 27 de janeiro de 2010.
O Brasil, no entanto, anunciou por diversas vezes que não irá reconhecer o governo eleito, ao contrário de outros países, como os Estados Unidos, Colômbia, Peru, Costa Rica e Panamá. A justificativa do governo brasileiro está no sofisma de que, como as eleições foram organizadas por um governo ilegítimo, também o seu resultado encontrar-se-ia comprometido pelo vício de origem. As lições da história, inclusive brasileira, nos ensinam que freqüentemente a redemocratização vem organizada por regimes ilegítimos, o que não tira a legitimidade do processo.
A posição brasileira segue o erro crasso cometido pelo Itamaraty ao admitir o presidente deposto, Manuel Zelaya, na embaixada do Brasil fora do instituto do asilo político, o que configurou uma violação do direito internacional de regência, configurou uma intervenção ilícita nos negócios internos de Honduras, e estabeleceu um péssimo precedente para as relações diplomáticas. Afinal, error juris quique nocet, ou o erro de direito a todos prejudica.
De fato, Manuel Zelaya valeu-se da guarida ilegal dada pelo governo do Brasil na embaixada em Honduras para fazer uma campanha política interna a defender a sua posição, de um palanque privilegiado. Como qualquer observador pode facilmente concluir, tratava-se de foro inadequado. Com o passar do tempo, a situação evoluiu para a realização das eleições e o reconhecimento provável do novo governo por uma quantidade expressiva de países, na região e fora dela.
Assim, o Itamaraty contabiliza a derrota de não ter tido sucesso na sua intervenção ilegal nos negócios internos de Honduras; o desaire de não respeitar eleições legítimas; o desgaste de uma provável posição minoritária face à comunidade internacional, para além do pouco edificante precedente diplomático. Mais ainda, deve agora fazer o desconfortável exercício de definir o destino de Manuel Zelaya e seus acólitos homiziados na embaixada.