Publicado no jornal Diário da Região, São José do Rio Preto, SP, 06 de novembro de 2024.
Londres – O governo do Partido Trabalhista britânico apresentou há sete dias o seu orçamento anual, o qual representa uma mudança expressiva nos rumos da economia do país, conduzida de maneira desastrosa pelas administrações conservadoras dos últimos 15 anos. Neste período, o Reino Unido saiu da União Europeia (UE) e promoveu políticas econômicas consistentes com o capitalismo selvagem do liberalismo econômico, fato que privilegiou os interesses individuais em detrimento do interesse público. Os serviços do Estado, como saúde e educação, foram sucateados. Na falta de investimentos oficiais relevantes também na infraestrutura, a economia britânica entrou em colapso. Como era de se esperar, o setor privado mostrou-se inapto a substituir o público.
Consequentemente, nas últimas eleições parlamentares, o povo mandou os conservadores para o monte de lixo da História e elegeu os trabalhistas com uma maioria parlamentar de aproximadamente dois terços. A plataforma eleitoral do Labour Party tinha uma forte inspiração do keynesianismo, segundo o qual os investimentos governamentais levam a economia ao crescimento. Assim, o novo orçamento, consistente com a proposta eleitoral, contempla investimentos públicos anuais de £ 70 bilhões (R$ 490 bilhões) durante os próximos 5 anos nas áreas da educação e da saúde, mas também nos setores de energia e transportes. Para tanto, foram majorados os impostos diretos de modo a levantar recursos de £ 40 bilhões (R$ 280 bilhões), na tributação da renda, dos ganhos de capital e da sucessão, mas também nas contribuições sociais corporativas. Portanto, a tributação adicional recai sobre os privilegiados, enquanto o povo dela é poupado.
A diferença de £ 30 bilhões será obtida com o endividamento público mais flexível, pelo Tesouro britânico. O novo orçamento britânico se alinha com as políticas no âmbito da EU e, como resultado, será eliminado o subinvestimento público no Reino Unido dos últimos 15 anos. O insuspeito Fundo Monetário Internacional rapidamente se manifestou em apoio ao pacote econômico face às “pressões urgentes sobre os serviços públicos”.
A situação passada do Reino Unido era típica de quando o interesse público é desconsiderado em favor das demandas vorazes do capitalismo selvagem e do rentismo. Essas promovem o enriquecimento desmedido de uns poucos em detrimento da larga maioria do povo, deixado à margem do desenvolvimento pessoal e social. O capitalismo sem freios representa o maior obstáculo doméstico às legítimas aspirações de uma nação. Ele sangra os cofres públicos e impede os investimentos de interesse coletivo que beneficiariam a coletividade. Para o capitalista/rentista, o sumo bem é o enriquecimento pessoal, para o que ele orienta os seus investimentos.
Desta maneira, é uma falácia esperar que os investimentos privados possam substituir os investimentos públicos, já que os fins de ambos são marcadamente distintos e frequentemente contraditórios. Ademais, os investimentos públicos são orientados de acordo com uma política nacional abrangente, seguindo as prioridades estabelecidas por um governo legitimamente eleito e com um mandato popular. Por sua vez, os investimentos privados buscam o maior retorno dentro do menor espaço de tempo, para fins particulares, em setores não coordenados, alguns dos quais sem nenhum interesse social, como por exemplo na área de apostas.
DURVAL DE NORONHA GOYOS JR., Jurista e escritor. Advogado qualificado no Brasil, na Inglaterra e Gales e em Portugal. Árbitro do GATT, da OMC, da CIETAC, do SHIAC e da SCIA. Escreve quinzenalmente neste espaço às quartas-feiras