O revisionismo histórico na literatura

Publicado no jornal Diário da Região, São José do Rio Preto, SP, 13 de março de 2025.

O revisionismo histórico na literatura, ou seja, a crítica da expressão da escrita passada
sob a ótica de padrões e valores atuais, foi originário de percepções sociais comuns nos EE
UU (Estados Unidos), vindas ou não do identitarismo, como produto da cretinice
institucionalizada que tomou conta daquele infeliz país e se manifesta desastrosamente.
Vastos segmentos da obtusidade brasileira acolheram o conceito, sem a devida reflexão,
como fazem com quase tudo o que é ordenado, produzido ou sugerido, direta ou
indiretamente, daquela origem. A também chamada revisão anacrônica literária pode
infelizmente levar à censura de textos ou livros julgados impróprios.

No Brasil, a título de exemplo, o fenômeno repercutiu a respeito de parte da obra do
grande escritor Monteiro Lobato, o mais importante autor nacional de literatura infantil,
quem foi responsável pela introdução de temática pátria no imaginário da infância e
juventude, valendo-se em grande parte da mitologia nativa e de suas intuições próprias.
Monteiro Lobato nasceu durante a escravidão e viveu nos duros tempos que se seguiram
para os pretos e para o proletariado brasileiro. O país era outro, e assim os valores e
padrões sociais. Trechos de sua obra são hoje tidos por racistas.

Ora, as antonomásias, ou a substituição informal de um nome por uma característica
marcante, eram então comuns nas relações sociais em geral, mesmo naquelas familiares.
No meu círculo pessoal, no início da década de 60, lembro-me afetuosamente de amigos
tratados por “Bijou”; “Cabeça”, “Pezão”; “Formiga”; “Possante”; “Batata”; “Lumumba”;
“Brucutu“; e “Titica”, dentre outros. O alto, era o Varapau; orelhudo, Jumbo; gordo,
Jamanta; de origem oriental, Japa; árabe, Turco; indígena, Bugre; italiana, Carcamano;
interiorana, Caipira; nordestina, Baiano. O calvo era Careca; Galego, louro; velha, Véia;
com aparência de criança, Nenê; pele branca, Alemão; pele preta, Negão, Neguinho ou
Nego, também referente a um popular, sem distinção racial. O Pelé era tratado por Negão
pelos colegas. Poucos se incomodavam.

Esta conduta era tida por natural. Hoje, seria interpretada como assédio ou
constrangimento, e tratada como “bullying”, um patético anglicismo. Propõe-se a censura
literária revisionista. No entanto, Benedetto Croce, o grande filósofo italiano da primeira
metade do século 20, e tido por Antonio Gramsci como “o papa laico da cultura italiana”,
ensinava que o contexto histórico fosse fundamental para a compreensão dos fenômenos.
Ele denominou a sua teoria como o historicismo absoluto, ou seja, o pensamento que tem
por conteúdo a história. Assim, na linha do grande intelectual, ao invés da disparatada
revisão anacrônica, melhor seriam notas ou uma introdução a explicar o substrato
histórico da obra literária.

DURVAL DE NORONHA GOYOS JR.
Jurista e escritor. Da Academia de Letras de Portugal. Ex-presidente da União Brasileira de
Escritores. Diretor internacional do Sindicato dos Escritores de São Paulo. Ex-conselheiro
da Fundação Padre Anchieta – TV Cultura. Conselheiro da Fundação Maurício Grabois.
Escreve quinzenalmente neste espaço às quartas-feiras