Publicado na Coluna Semanal do Dr. Noronha a convite do sítio “Última Instância – Revista Jurídica”, São Paulo, Brasil, 27 de fevereiro de 2008.
Brasil e China são importantes parceiros políticos e comerciais. De um lado, a dinâmica das relações internacionais no mundo de hoje exige que os Estados não hegemônicos, interessados num mundo multipolar e na prevalência do direito, colaborem nos foros políticos mundiais. De outro, a importância sempre crescente do comércio internacional para a prosperidade doméstica requer trocas entre os bens e produtos com maior competitividade seletiva de cada qual.
Assim, como as duas maiores potências em desenvolvimento dos hemisférios sul e norte —respectivamente, Brasil e China— têm aproximado suas economias mediante um processo de comércio bilateral altamente intenso, ao ponto de a China ter se tornado o segundo parceiro comercial do Brasil, em termos absolutos, e o Brasil o principal sócio comercial chinês na América Latina.
Se é verdade que o caráter do comércio bilateral sino-brasileiro hoje impulsiona o crescimento econômico de ambos os países, as perspectivas futuras são ainda mais instigantes, pelo potencial existente devido ao caráter prevalentemente complementar de suas economias. Contudo, como é natural em todos os relacionamentos comerciais internacionais, há pontos de conflito entre o Brasil e a China.
Tais áreas conflituosas não comprometem uma visão otimista das relações bilaterais. No entanto, devem ser elas examinadas cuidadosamente por ambos os países com o objetivo de otimizar o potencial comercial existente. Dentre tais áreas problemáticas, podemos identificar pontos difíceis de natureza recíproca. De outro lado, há queixas do Brasil com relação à China e reclamações da China com respeito ao Brasil.
De natureza recíproca, podemos identificar, em primeiro lugar, o desconhecimento de lado a lado, o que prejudica o clima de investimentos e parcerias. Decorre do desconhecimento a falta de credibilidade recíproca de agentes econômicos dos dois países. Gestões devem ser feitas tanto no setor público, como no privado, para diminuir o hiato existente. De mais a mais, a distância dificulta o relacionamento comercial e cultural e impacta, de maneira adversa, a necessária logística comercial e financeira.
Da parte de como a China vê o Brasil, existe a questão do reconhecimento do país asiático como economia de mercado. De fato, o não reconhecimento permite tratamento discriminatório. A China é hoje prevalentemente uma economia de mercado e espera o devido reconhecimento da parte de seu parceiro preferencial, o Brasil. No entanto, a diplomacia brasileira teve uma atuação desastrosa na questão pois, após reconhecer a situação de economia de mercado na China, através de um memorando de entendimento, negou sua aplicação.
Mais ainda, a China considera que o Brasil abusa do instituto de defesa comercial para discriminação dos produtos chineses. Acresce que o país asiático tem dificuldades em entender, e nisso não é o único, a tributação dos investimentos em nosso país. De mais a mais, a China entende que as leis de imigração brasileiras são tanto discriminatórias como severas.
Por sua vez, o Brasil tem problemas com a China no tocante ao surto de importações do país asiático e com a sub-valorização do Yuan, que dá uma competitividade maior aos produtos chineses. Mais ainda, o Brasil tem dificuldades com a precificação de exportações chinesas, que dá ensejo a fraudes alfandegárias e fiscais. Acresce que a aplicação das leis de propriedade intelectual na China é vista com preocupação por parte de agentes públicos e privados brasileiros. Por último, há a preocupação a respeito de subsídios ilegais oferecidos na China, como pela falta de transparência em alguns procedimentos administrativos.
A melhoria das já excelentes relações bilaterais sino-brasileiras passará necessariamente pelo reconhecimento das dificuldades hoje existentes e pelos esforços mútuos em sua superação.