Publicado na versão eletrônica no sítio do JB On Line (http:\\www.jbonline.com.br), bem como na versão impressa no Jornal do Brasil, caderno Economia & Negócios, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 21 de setembro de 2009.
Londres – A formatação da agenda de negociação da Rodada Doha da OMC (Organização Mundial do Comércio) lançada em 2001 favoreceu, como é da história do multilateralismo, os países desenvolvidos, pelo que desde o início das tratativas já se sabia quem seriam os perdedores da ronda: os países em desenvolvimento.
Os ricos, já vencedores da Rodada Uruguai, com mais de 80% das vantagens, buscavam maiores concessões dos países em desenvolvimento nas áreas de tarifas industriais e de acesso aos mercados de serviços, enquanto tratavam de assegurar a manutenção de seus volumosos subsídios, notadamente no setor agrícola.
Pois bem, com a crise econômica e financeira mundial que entrou em sua fase aguda um ano atrás, o ideário econômico dos países ricos, o neoliberalismo, que também inspira os organismos internacionais de uma maneira geral, mas particularmente a OMC, entrou em falência juntamente com os agentes econômicos que prosperaram nas falácias, ilusões e armadilhas propostas pela ideologia dos mercados.
Para salvar suas economias, os países ricos membros da OCED desembolsaram, no último ano, em média cerca de 20% do PIB (Produto Interno Bruto) de cada qual em subsídios diversos diretos e indiretos, inclusive aos setores bancário e automobilístico. Ora, tais medidas são flagrantemente contrárias à ordem jurídica da OMC, da mesma forma que violam a agenda da Rodada Doha.
De fato, enquanto o comércio mundial caiu em 2009 cerca de 10%, o protecionismo cresceu enormemente não apenas como resultado dos subsídios, mas também do aumento de tarifas, da imposição de novas medidas não tarifárias de proteção à indústria doméstica, como ainda do crescimento das ações de defesa comercial, como aquelas de antidumping.
Segundo estudos da Global Trade Alert, mais de 90% dos bens objeto do comércio internacional já foram afetados por alguma medida protecionista nos últimos doze meses. Mais ainda, em média, 60 novas medidas do gênero são adotadas no mundo a cada três meses. A maior parte delas, deve-se enfatizar, ocorre nos países desenvolvidos, como o caso da enorme majoração tarifária nos EUA para os pneus chineses.
Incapaz de compreender a ampla repercussão da crise financeira no sistema multilateral do comércio, a diplomacia brasileira continua a insistir na finalização da Rodada Doha, ainda que sua agenda inicial, já totalmente desfavorável ao Brasil, tenha sido completamente inviabilizada pelas ações protecionistas tomadas pelos países ricos.
Não é de se surpreender que o número de acordos bilaterais ou regionais de comércio tenha aumentado de 49, em 2001, para 167, em setembro de 2009, com assinatura de um importante tratado preferencial entre a Coréia do Sul e a Índia, que deverá ter um grande impacto nas trocas asiáticas.
Enquanto muitos países buscam nos acordos bilaterais soluções, ainda que transitórias, para o tradicional desequilíbrio multilateral e seu recente impasse, o Brasil continua a insistir na velha política, formatada mais em função de inflar os egos delicados de nossos diplomatas, do que na busca dos interesses nacionais.
É fato que a formatação atual do Mercosul, de resto uma meritória iniciativa, com estrutura de uma união aduaneira altamente imperfeita, impede o Brasil de buscar acordos bilaterais sem a aquiescência de nossos sócios regionais. No entanto, nenhum esforço foi feito pelo País para livrar-se dessa amarra, corrigindo os vícios do Mercosul e centrar nas suas qualidades.
Assim, enquanto sustentamos sem reformas um bloco regional de livre comércio que é anacrônico e ineficiente, estamos engajados com grande motivação numa negociação multilateral que somente nos será adversa, se concluída, a Rodada Doha, e deixamos de buscar novas parcerias regionais, como têm feito os demais países.
Com a proliferação de tais acordos por terceiros países, incluindo tradicionais parceiros econômicos nossos, como a China, a União Européia e os Estados Unidos, o Brasil corre o risco de ter o acesso de seus produtos àqueles mercados prejudicado pelas preferências concedidas a terceiros, conforme ocorria até meados do século passado.